sábado, 26 de novembro de 2016

FIDEL




DAS CALLES DE SUR AMERICA
RESSOAM TAMBORES EM LUTO
UM SURDO LONGO CORTA O SILÊNCIO
DA MADRUGADA
AGITA A MARÉ CONTRA A VIA ANCHA
ONDAS DE ONDAS
ARREBENTAM CONTRA OS MOLHES
DE HAVANA
E O POVO REÚNE-SE PARA A DERRADEIRA DESPEDIDA
AO COMANDANTE
ORIXÁS EM TRANSE CANTAM NA SANTERIA
DE ARUANDA RESSOAM INQUIETAS SUAS VOZES
AS MÃES DE SANTO LAVAM OS ALTARES
PREPARAM AS OFERENDAS DO CORTEJO
NA CIDADE VIEJA

DA SIERRA MAESTRA O FOGO FÁTUO
NESTA NOITE FÚNEBRE
ESTÁ MAIS BRILHANTE
SÃO OS MÁRTIRES, CÉLEBRES SEM NOME
QUE ALI TOMBARAM PELA LIBERDADE
CADA UM DEVE SEGUIR AO SEU TEMPO
DIZEM AS LUZES
MAS SÃO POUCOS QUE PODEM DIZER
QUE FIZERAM A DIFERENÇA
NESTE VIL MUNDO
DE MARTÍRIOS
IRÃO EVOCAR SEUS FEITOS
PARA TODA A ETERNIDADE
RESSOARÃO AS CANÇÕES
ATÉ MESMO EM PLANETAS DISTANTES
ONDE AINDA SUBSISTIR UMA CHAMA
DE ALMA HUMANA
NA BODEGA DA ENCRUZILHADA
DO ALÉM DA DIMENSÃO PRESENTE
CAMILO, CHE E ERNEST
AGUARDAM SAUDOSOS TUA CHEGADA
COM BONS CHARUTOS DE CUBA
PARA FUMAR
E UMA BOTELLA DO MELHOR RUM
PARA CONSPIRAR
A NOVA REVOLUÇÃO
QUE OS ORIXÁS SE ACAUTELEM
COM A TUA NOBRE PRESENÇA
EM ARUANDA





domingo, 15 de maio de 2016

MAQUIAVEL – A lição ainda não aprendida pela Social Democracia na A. Latina




“Os romanos, vendo de longe de longe as perturbações, sempre as remediaram e nunca as deixaram seguir seu curso, para assim evitar guerras, pois sabiam que a guerra não se evita, mas se é protelada redunda sempre em proveito de outros. Assim empreenderam as guerras contra Felipe e Antíoco na Grécia, para não ter que fazê-la na Itália; podiam tê-la evitado, mas não o quiseram. Não lhes agradava fiar-se no tempo para resolver as questões, como os sábios de nossa época, mas só se louvavam na própria virtude e prudência, porque o tempo leva adiante todas as coisas, e pode mudar o bem em mal e transformar o mal em bem.” (O Principe – Maquiavel)

“César Bórgia, filho do Papa Alexandre VI, o  “Duca Valentino” que Maquiavel viu de perto e tanto admirou conquistou a Romanha e impôs-lhe ‘um bom governo que a pacificasse, fazendo-a obediente ao seu domínio’. Conta Maquiavel: ‘Com esse fim nomeou Ramiro de Lorgue, homem capaz e cruel, a quem delegou a mais completa autoridade. Em pouco tempo ele instaurou ordem e unidade, alcançando por isso grande fama. Depois disso, o Duque, considerando desnecessária tão excessiva autoridade, para não tornar-se odiado nomeou um tribunal de justiça civil, no meio da província, sob a direção de um excelente presidente e junto ao qual cada cidade designou um advogado. Como sabia que o rigor aplicado no passado tinha criado um certo ódio, a fim de purgar o espírito do povo e conquistar inteiramente sua lealdade decidiu mostrar que não era responsável pelas ações cruéis que tinham ocorrido, atribuindo-as à dureza do governador. E na primeira oportunidade mandou matá-lo, cortá-lo pelo meio e colocá-lo, certa manhã, na praça pública de Cesena, tendo ao lado um pedaço de madeira e uma faca ensanguentada. A ferocidade do espetáculo causou espanto e satisfação ao povo.” (O Principe – Capitulo VII – Cadernos da UNB – Seminário na Universidade de Brasília - Sérgio Bath)
    

Maquiavel  não era um filósofo na acepção da palavra, nunca foi acadêmico, sua obra se baseia principalmente sobre sua vivência adquirida a serviço da República Florentina após a expulsão dos Médici  servindo como emissário e diplomata subalterno. Era um descendente pobre da nobreza toscana, filho de um advogado,  que leu na juventude os clássicos latinos e as obras italianas em uma Europa renascentista. Ele imaginava uma Itália unificada e longe do assédio dos reis estrangeiros e do papado, o retorno da antiga glória da civilização romana sob o poder de um só monarca esclarecido. Foi escritor dramaturgo com razoável sucesso de suas comédias que eram conhecidas pelo povo. Entretanto uma de suas obras, com certeza não a mais extensa: ”O Principe”, granjeou-lhe fama para a posteridade, mas nem sempre foi bem compreendida, por alguns foi considerado como libelo conspiratório, a ponto de criar-se o vocábulo pejorativo que é adjetivado pelo seu nome: “maquiavélico”, como algo com sentido oculto para enganar, criar um complô ou cizânia provocada para iludir e dominar.

Sua outra obra: “A Arte da Guerra” também corroborou no sentido de alguns detratores associarem seu nome a admiração pelos conflitos armados sem querer considerar ou perceber o meio instável politicamente em que o autor vivia e o momento histórico que atravessava a península itálica dividida em pequenos principados e repúblicas e a Europa em constante deflagração no embate entre monarcas poderosos em busca de consolidar seu império a custa dos próprios súditos, em sua maioria miseráveis tratados como simples peões do jogo de poder europeu.


Maquiavel, um homem antes de seu tempo, na verdade criou no “O Príncipe”, um manual para quem pretende alcançar o poder ou mantê-lo caso o tenha obtido contra o assédio dos inimigos e as conspirações dos aliados de ocasião numa perspectiva realista de alguém que conhecia as entranhas do poder e a condição humana sem falsos idealismos. Sua obra se destaca pela originalidade e dele haver sido o primeiro pensador político a concentrar sua observação naquilo que é, no comportamento real do “homo politicus”, e não no dever ser do idealismo a que estavam consagrados os tratados políticos normativos da escolástica e as utopias da época. Ele contrapôs o seu realismo às utopias do Renascimento, de Tomas Moro, Tomaso Campanela e Francis Bacon, que idealizaram repúblicas perfeitas em suas obras, despreocupados de transpor a ponte entre o mundo das ideias e o mundo sensível, herdeiros todos nesse sentido do utopismo platônico de “A República”.

Como foi referido por Bertrand Russel sobre o conteúdo de “O Principe”: “Fazendo justiça a Maquiavel é preciso declarar que ele não preconiza a vilania como princípio. Seu campo de investigação se encontra mais além do bem e do mal, exatamente como sucede no caso das investigações levadas a cabo por um físico nuclear. Se deseja conquistar o poder assim proclama a razão: tem que ser implacável. Que isto seja bom ou mal é farinha de outro saco, mas isso carece de interesse de Maquiavel. É possível considerá-lo em falta por não prestar atenção a esta questão, mas é sem sentido condenar-lhe pelo seu estudo sobre o poder político tal e como existia realmente. Pois “O Príncipe” é, mais ou menos, um sumário de práticas que eram correntes na época do Renascimento” 
  
Obra criada em 1513, mas publicada cinco anos mais tarde, tem como objeto central o tipo de conduta que deve ter quem tem como projeto a restauração ou instauração de um principado duradouro, forte, honrado e feliz. Ele se dirige aos Médici, que haviam retomado o poder em Florença, não sem antes terem perseguido seus opositores e inclusive prendido e mandado torturar Maquiavel, que na época era funcionário do regime republicano, e mesmo assim, depois de um longo exílio, ele dedica sua obra à Lorenzo de Médici. Alguns estudiosos acreditam tratar-se de uma sátira, como obra de um moralista perspicaz que ao fingir dar conselhos ao príncipe assim contem e descreve seus excessos sem poder sofrer censura. Mas seu trabalho tem como objetivo maior a unificação da Itália e com isso por fim às rivalidades fratricidas e as invasões estrangeiras. Muito mais que uma apologia à imoralidade indispensável e legitima que se liga a toda vontade de poder, sua significação tem uma amplitude diversa, trata-se de, para o monarca, bem governar e pretender a onipotência, ir além das questões morais e religiosas e com isso manter o controle eficiente do Estado, onde ele legisla e define o Bem e o Mal público além dos limites dos mandamentos da Igreja ou da tradição moral medieval vigente, e que nestas questões de poder, a recusa da violência é uma tolice e que é necessário distinguir a violência “que conserta” daquela “que destrói”.

Maquiavel insiste, por exemplo, na incontestável vantagem para o Príncipe na manutenção de um exército nacional, quando na época eram os mercenários que protegiam os reinos e, portanto tinham o poder volúvel de definir o sucesso e o fracasso de seus patrocinadores tanto nas batalhas, onde podiam ser subornados para dar a vitória ao inimigo, ou como no ato de impor a ordem nos feudos, que podiam saquear sem controle dos governantes. Mas, sobretudo põe em evidência a natureza estratégica da atividade política: a virtù  do mandatário, os atributos necessários para a consecução dos objetivos de poder, firmeza de caráter, coragem militar, habilidade no cálculo estratégico, carisma, inflexibilidade contra os inimigos, mas também ao conceito de fortuna, relacionado ao acaso, o desenrolar fortuito dos acontecimentos, que devem ser bem aproveitados quando sorriem para o príncipe que os sabe avaliar e utilizar para seu lucro na obra constante de construir seu poder. Retomando as lições dos historiadores gregos e latinos, antecipando Hegel, o florentino observa que, em política, reinam a violência, a astúcia, a vontade de poder e se as coisas são assim, então é melhor colocar essas forças a serviço do Bem público e aprender seus fundamentos a fim de utilizá-las de forma eficiente como os meios deste fim legítimo.

 A virtù de Maquiavel não se trata absolutamente da “virtude” no seu sentido moral habitual. Nada tem a ver com a virtude cristã, que sujeita o individuo à vontade divina na expectativa da vida perfeita; como também não é a virtude aristotélica, justa e racional ou a estóica, resignada e tolerante. Para Maquiavel a virtù é a energia, a capacidade, o empenho, a eficácia e a vontade dirigida a um objetivo. Ela designa os atributos necessários para estabelecer a dominação: força pessoal, capacidade de ação, eficiência que tem como único critério de avaliação o resultado final do ato. Tal concepção aparentemente fria, na verdade contem um elemento intrínseco de moderação e equilíbrio para o governante. Pela simples razão que o mau tirano se expõe a ira do povo, tanto quanto à vingança dos rivais. Seus excessos em ser duro demais e os abusos do poder podem acabar por fragilizá-lo. Mais cedo ou mais tarde podem prejudicar sua permanência no governo e até mesmo colocar em perigo sua vida.

A prudência do mandatário não se remete neste caso a moderação como algo moralmente preferível, deve-se escolher ser moderado para ser mais eficiente, para manter mais tempo o poder, para aumentar o poder sobre os rivais, para obter junto ao povo uma opinião mais favorável. A reputação, a imagem e a opinião pública não são apenas acessórias, mas fazem parte da virtù e não podem ser esquecidas pelo governante sob pena de ser tirado do poder em função de uma má comunicação junto aos súditos.

Mas o combate político não depende apenas da virtù , como já vimos a fortuna, isto é, o acaso no desenrolar dos acontecimentos, a evolução das situações e eventuais mudanças bruscas relacionadas com o inesperado devem se possível serem antecipadas pelo governante, num mundo em que nada está fixo e tudo progride. Quem for hábil saberá aproveitar o cambio, que nem sempre será os dos resultados esperados inicialmente, mas não se permite a inércia nesse jogo, que deve ser administrado, pois o poder não aceita o vácuo. E que o príncipe ao conhecer os acontecimentos do passado esteja preparado para todas as insídias, e para contra-atacá-las dedicando diariamente um tempo para estudar como reagiria diante daquele ou desse acontecimento, o que aliás adianta a moderna teoria do estudo de “cenários” de guerra e de paz. O que Maquiavel delineia, em certo sentido, é uma teoria geral da ação: nem totalmente soberana, já que a fortuna pode mudar o plano inicial, nem de tudo impotente, pois nossos planos devem servir para prever e aproveitar o acaso para obter-se o sucesso até mesmo em função dos contratempos.

Para Maquiavel é fundamental que o príncipe crie uma força nacional de cidadão soldados sob seu comando, que ajudará a manter o poder. Quem domina a Arte da Guerra, mas ainda não tem poder, poderá conquistá-lo, e quem já o tem poderá conservá-lo contra os rivais. De modo inverso, quem não o domina não poderá conquistá-lo e nem conservá-lo se o tiver.

É então essencial estar preparado, o que não significa estar armado, mas sim conhecer a Arte da Guerra e conhecer as leis do combate vitorioso. Se a realidade política é a luta, mais cedo ou mais tarde será necessário dispor dos recursos necessários para se fazer o bom combate de forma eficiente, esse é um dos atributos do poder. Maquiavel não faz o elogio da guerra que, neste caso não é apenas uma opção de escolha, mas uma simples constatação de como funciona a realidade da política humana até nossos dias.

Na social democracia vigente e da nova esquerda da América Latina, influenciada pelas esquerdas européias do período pós guerra fria, a rejeição intelectual gerada contra os grandes instauradores do socialismo real e pragmático, como foram Josef Stalin e Mao Zedung, implantou no imaginário do Ocidente uma falsa filosofia pacifista de esquerda promotora da ideia do desarmamento unilateral e criou-se uma verdadeira fobia pelo conflito armado, chegando a um radical pavor contra qualquer tipo de luta armada. Os pensadores ocidentais de esquerda rejeitam a noção da inevitabilidade da guerra do socialismo contra as grandes corporações e seus governos títeres, conflito que, querendo ou não, certamente ocorrerá em futuro próximo, quando grandes multidões sem emprego ocuparão as ruas dos centros urbanos, uma ameaça real da volta da barbárie no mundo, o que já representa uma visão de derrota antecipada da implantação do pensamento socialista e torna hoje obrigatória a reflexão profunda sobre a obra de Maquiavel e suas implicações atuais. Ele apenas põe em relevo a realidade do mundo, que ainda permanece o mesmo, e também a luta amoral dos poderosos pelo poder.

Deve-se, portanto deixar de julgar, de lamentar-se, de sonhar utopias, de confundir desejos com a realidade, e partir para a ação no sentido de desmontar os mecanismos do funcionamento efetivo do poder dominante, das relações humanas e a domesticação cultural das massas, da história oficial, sempre uma visão em retrospectiva de fatos imposta pelos meios, ou deixar de promover a crítica sobre acontecimentos que já ocorreram e de personagens que cometeram seus acertos e erros na esfera da aplicação do socialismo, e perceber que a verdade afinal não é uma questão absoluta.

Quatro pontos principais são destacados por Maquiavel em sua obra:

Em primeiro lugar, ele restringe a questão política a uma só reflexão central: tomar o poder, para quem não o tem, ou conservá-lo caso o tenha. Não se trata mais de perder tempo tentando definir o que é o bem comum ou a natureza política do homem em sua visão aristotélica. Os conceitos chave não são mais a philia, ou amizade em grego, esta afinidade natural entre os homens, nem a humanitas que Cícero propôs como impulso da coisa pública, na comunidade humana.

Para Maquiavel só interessa refletir sobre o conjunto das técnicas de aquisição e conservação do poder. Ao final de fato é isso que importa na coisa política para se poder atingir os interesses do poder.

Essa ciência é um processo dinâmico onde o governante está em constante evolução, a política é uma luta permanente, movimento incessante, evolução de criação contínua. Trata-se de criação de novos estados e sua perenização, pois o príncipe que herda um estado já existente deve estar preocupado em expandi-lo visando estender seu domínio e seu poder. De outra forma ele o perde, pois os inimigos que o cercam irão crescer às suas custas. O que fica estagnado já possui a tendência de regressão em seu bojo.

Desse modo, a tática de quem governa se inscreve num movimento sem fim: conflito para expansão, defesa contra as potências adversárias, sem deixar de levar em conta os movimentos da opinião pública e suas mudanças bruscas e perigosas motivadas por paixões passageiras.

A ação política na visão de Maquiavel inscreve-se num fundo de precariedade que define sua existência. Estados surgem e sucumbem conforme nos ensina a história. Essa dinâmica nunca cessa. Para ele a história é um processo de progressão e regressão com a repetição constante do curso dos acontecimentos em escala crescente, já que a condição humana é imutável.

A última ruptura do pensamento de Maquiavel em relação aos dogmas idealizados até então sobre a arte de governar está em centralizar a análise política no jogo das paixões humanas. Foi ele o primeiro a conceber de forma clara e radical o jogo político como um conflito de paixões (domínio, poder, vingança) ligadas a interesses econômicos e militares. E esse jogo se torna mais complexo em função das paixões populares. Pois o povo, segundo a acepção dele, abriga todo o tipo de expectativa vã e de falsas crenças que devem ser estimuladas ou desviadas para outros fins.

Na esfera dos conflitos das paixões humanas a construção de chamarizes para atrair a opinião pública são elementos centrais do controle político proposto por Maquiavel. Essas pseudo-verdades interiores, que são as paixões de cada individuo, seja ele príncipe ou homem do povo, determinam, por baixo da mesa, de forma inconsciente, o destino final das coisas do reino.

Aquele que exerce o poder, não encontra o Bem inscrito em qualquer parte por onde procure, nem na natureza humana, nem na sociedade, e tem diante de si pelo contrário uma realidade envolvida pelo conflito permanente, e pela desordem dos interesses envolvidos.

Desse ponto de vista, o pensamento de Maquiavel considera apenas a eficácia. O sucesso do governante se adquire por força da habilidade concreta e circunstanciada e não em função de ideais, de modelos ou regras morais preconcebidas, caso pretenda de fato o poder. O importante é alcançar suas metas, quaisquer que sejam os meios utilizados.

Em 1527 Maquiavel faleceu sem ver seu sonho de uma Itália unificada e longe das mãos dos estrangeiros. Neste mesmo ano uma horda germânica enviada por Carlos V, imperador do Sacro Império Romano Germânico e rei da Espanha saqueia Roma depois de invadir a península itálica e promover o caos e a destruição nas suas províncias.

Esta lição de desconstrução do projeto libertário está na atualidade sendo duramente aprendida pelas esquerdas da A. Latina cuja presença de governos populares no poder tem resultado historicamente em avanços e recuos pontuais e derrotas sangrentas, pois os interesses conservadores possuem muito mais liberdade em alcançar seus objetivos do ponto de vista de Maquiavel e a vantagem de disporem do tempo ao seu favor para desgastarem as forças populares cooptando-as ou simplesmente derrotando-as através dos golpes de estado, com armas ou não, que promovem através das instituições em seu poder, que em última análise sempre são compostas por áulicos das classes dominantes que estão entranhados nos gabinetes de carreira desde o período colonial. Uma das estratégias comumente usadas, que servem os interesses dominantes é a criminalização dos movimentos sociais e o indiciamento criminal de seus líderes, pois assim conseguem criar um contencioso e iludir boa parte da maioria silenciosa, através dos meios de comunicação oficial, de onde sempre tiveram controle absoluto como seus proprietários  formadores de opinião.

Portanto não será com acertos políticos à direita que a esquerda, e principalmente a social democracia legitimada por uma falsa lei partidária, logrará alcançar o poder para promover as justas mudanças sociais que os países do hemisfério sul, e da América Meridional em especial necessitam. Os conservadores e neoliberais estão dispostos a tudo para manter seus privilégios centenários, se for preciso até mesmo ao uso da força e do assassinato seletivo, para não ter que abrir mão do poder que sempre tiveram sobre a coisa pública, em especial sobre a governança e a justiça com seus tribunais de exceção, e farão tudo para manter constante o fluxo das riquezas naturais para as metrópoles que historicamente lhes financiam e os mantém no status de mandatários de fato das nações.

Sem uma estratégia de criação de uma organização cívico marcial ou paramilitar empreendida entre os partidos socialistas através de recrutamento e treinamento adequado de seus quadros mais jovens, a criação de universidades de ciências políticas com livre acesso de pessoas oriundas das comunidades com razoável carisma (virtù) e bom nível de aprendizado para a formação de novas lideranças e a preparação para o enfrentamento armado através de ligas de autodefesa populares e tiros de guerra, organizadas com planejamento de longo prazo, metas e objetivos estratégicos bem definidos, nunca poderemos romper as amarras que as classes dominantes erradamente insistem em subjugar o continente, em prejuízo até mesmo dos interesses delas próprias, em função de um viés cultural adquirido pelas elites nos salões de reuniões e centros comerciais estrangeiros, ideais incentivados e propalados pelos países do hemisfério norte, hoje mergulhados em profunda crise e na opressão de suas populações, tentando suas ultimas cartadas para manter a hegemonia de poder sobre os países detentores de riquezas naturais através de minorias corruptas num momento crucial onde a própria sobrevivência da humanidade está em jogo.

Exemplos recentes onde o apoio militar ocorreu e onde deixou de ocorrer deixa clara a fragilidade do pensamento pacifista de esquerda. Na Venezuela de Chaves quando houve a tentativa de golpe foi uma parcela importante das forças armadas que legitimou a volta do líder ao poder. No Chile democrático de Allende a falta de apoio no seio das forças armadas facilitou o golpe sangrento e a instauração de uma ditadura sanguinária por décadas. Em El Salvador e na Nicarágua a força dos movimentos populares foram indispensáveis para derrubar os regimes ditatoriais apoiados pelo governo norte americano.

Ler também:

http://vermelhofourth.blogspot.com.br/2015/03/vo-nguyen-giap-o-homem-e-arma.html

http://vermelhofourth.blogspot.com.br/2014/12/textos-militares-escolhidos-lenin.html

O pacifismo neste caso não é opção. Os conservadores aqui e lá querem a paz dos cemitérios. Na América do Sul eles pretendem estraçalhar as esquerdas novamente e já iniciaram os primeiros movimentos estratégicos neste sentido. Possuem apoio financeiro externo para cometerem seus crimes contra as liberdades democráticas e a autonomia dos povos. Detém o controle da mídia de onde vendem sua falácia para pelo menos um terço da população nos países em que habitam, de onde emanam seus subordinados para cometerem impunemente a repressão e a corrupção dos meios. Ou tomamos novamente a dianteira na luta contra o fascismo hoje travestido de liberalismo ou as gerações futuras irão sofrer com um jugo muito mais poderoso do que já existe agora. Estamos cada vez mais próximos de uma nova crise mundial e possivelmente de um conflito armado de grandes proporções e tudo que vivemos hoje em termos de golpes e atropelos das instituições na manutenção do poder pelo capital já são os reflexos diretos desse momento histórico.

Leitura Sugerida:

http://vertigensdiarias.blogspot.com.br/2015/02/noam-chomsky-e-coruja-de-minerva-tempos.html

http://vertigensdiarias.blogspot.com.br/2016/05/eua-o-grande-irmao-prepara-terceira.html?spref=fb


Bibliografia:


1) História das Ideias Políticas – François Châtelet, Olivier Duhamel, Evelyne Pisier-Kouchner – Ed. Zahar – 1985

2) Filosofia em Cinco Lições – Roger-Pol Droit – Ed. Nova Fronteira – 2011

3) Maquiavel – Um Seminário na Universidade de Brasília – Sérgio Bath, Lauro Esocorel de Moraes, Marcílio Marques Moreira, Alberto Venâncio Filho – Cadernos UNB – Ed. UNB – 1980

4) La Sabiduria de Occidente – Bertrand Russel – Ed. Aguilar- 1962 - Madrid








domingo, 20 de março de 2016

Mao Dse Dung – O homem e sua obra

Capitulo II – Origens da Revolução Comunista Chinesa

Sun Yat-sen

Para compreender as causas desta luta de morte entre nacionalistas e comunistas é necessário começarmos a contar a história a partir de 9 de Outubro de 1911. Neste dia explode uma bomba em Wu-Tchang, diante da residência do representante do governador da província de Hu-Pei. Não ficou registrada na história o autor do atentado. A explosão desta bomba não fez vitima alguma e apenas causou pequenos estragos, mas marca para sempre uma mudança na história milenar da China. Vai dar início a uma insurreição popular que, em semanas, acabará para sempre com a hegemonia da dinastia Manchu, estabelecida no país desde 1644. Este atentado é severamente punido. Ainda na tarde deste 9 de Outubro, em Hankeu, cidade vizinha e capital do Governo, a policia desencadeia grande repressão que resulta na prisão de uma centena de agitadores conhecidos e a execução imediata em praça pública de uma dezena deles. Estas execuções, assassinatos, prisões e torturas promovidas pelas forças policiais geram a indignação e a revolta de todo o povo.

No dia seguinte, a guarnição local amotina-se, e seus oficiais conseguem com algum custo convencer seu comandante, um general fraco e despossuído de ambições a chefiar o movimento revoltoso. Com a população sublevada e aclamando, as tropas com seu general à frente, vão até a cadeia e libertam os presos políticos sobreviventes e depois seguem em marcha na direção do palácio do governador. O mandatário mal tem tempo de refugiar-se numa canhoneira, ancorada no rio Yang Tsé, e fugir.

Numa reunião dos insurretos pela tarde fica decidida a intenção de derrubar o imperador Manchu e sua dinastia. O movimento alastra-se como um rastilho de pólvora. No dia seguinte outras cidades como Wu-Tchang, Hang-Yang põem para correr seus governadores Manchu. E depressa a revolta atinge Fu-Chen, Cantão, Nanquim, Xangai,e, em menos de três semanas, todo o Sul do país. Jamais houve outra revolta tão pacifica. Aos gritos de “fora com os Manchu”, ou “China livre”, os revolucionários, que desfilam com braçadeiras brancas, ocupam os prédios oficiais, onde instalam conselhos locais. Os poucos soldados manchus que prestam segurança aos governadores depõem as armas (arcos e flechas) e são encarcerados junto com os familiares em campos de prisioneiros. Nas cidades libertadas, após o pânico inicial provocado pela fuga de seus antigos senhores e dos ricos comerciantes temerosos com o fim da autoridade que arrastaram atrás de si milhares de subordinados, em pouco tempo tudo volta ao normal novamente.

Ao fim do conflito, e com a calma da situação, sucede o entusiasmo com o novo nacionalismo transbordante que seduz ao povo e principalmente aos jovens estudantes. Estes, após duzentos e cinqüenta anos de dominação Manchu, começam a manifestar sua nova identidade ao cortarem a trança, um ornamento de sujeição imposto pela dinastia Manchu aos seus súditos. Na segunda fase do processo de libertação abandonam as escolas e universidades e ingressam em massa nos exércitos revolucionários. Mas entre a glória do combate fácil e a disciplina da caserna existe um longo caminho. É o que pensa o soldado Mao, com dezoito anos, ainda condenado da manhã a noite a lavar louça na cantina dos oficiais.

Enquanto isso em Pequim o governo isolado está inquieto. Jamais ocorreu situação tão desesperadora para o poder central. Após cinco dias do atentado a bomba, o Príncipe Regente convoca então um oficial que tinha sido favorito da imperatriz, Yuan Che-Kai, que vivia exilado desde a morte dela numa distante província do Norte. Investido como comandante das tropas imperiais segue com suas forças em direção dos exércitos revoltosos que consegue repelir da margem norte do Yang Tsé-Kiang. Mas o general tem outras ideias a respeito do conflito, Percebe a decadência de seus senhores em relação a potência da revolução em curso e por isso convence Pequim a negociar.

As negociações começam no início de Dezembro em Xangai e são concluídas em menos de um mês. As tímidas reformas propostas pelos monarquistas que propõem uma monarquia constitucional não impressionam a facção dos brancos que almejam uma República. O fato de dominarem boa parte do território chinês, todo o sul e centro do país e que quatorze das dezoito províncias apóiam o movimento exigem a imediata abdicação do monarca Manchu. Para afirmar sua posição reúnem-se, em fins de Dezembro na cidade de Nanquim, onde criam uma Assembléia Nacional e adotam uma Constituição Provisória.

A 1° de Janeiro de 1912 a Assembléia Nacional reúne-se em sessão plenária e delibera para eleger o primeiro presidente da República chinesa. Os sufrágios dos representantes do povo elegem um homem de 46 anos, Sun Yat-Sen. É ele que irá colocar a termo a monarquia. As negociações terminam a 12 de Fevereiro com um edital real que determina o fim da dinastia Manchu e mais de dois mil anos do regime imperial. Para os republicanos é uma vitória completa e para Sun Yat-Sen é o fim de uma luta de uma vida toda, de combate, de revolta e de exílio.

Sun Yat-sen é o pai da revolução chinesa. Em 1912 ele representa a alma, o espírito e o corpo da revolta.

É a alma, pois conseguiu botar de pé quatrocentos e cinquenta milhões de chineses e tirá-los da letargia milenar confuciana, resgatando a dignidade do povo e seu espírito combativo. É o espírito, pois soube preparar a revolução e ainda em 1898 estabeleceu os “Três Princípios do Povo” e a “Constituição dos Cinco Poderes”, que ainda hoje influenciam o socialismo chinês. E ainda é o corpo, pois graças a sua ação determinada, o seu dinamismo, a sua lucidez e confiança  tornou possível promover a conjura clandestinamente e fazer mais célere o processo de transformar a China numa República Constitucional.

Sun Yat-sen, filho de um humilde camponês da zona de Cantão, aos treze anos embarcou para Honolulu, onde um pastor protestante lhe deu guarida. Aos dezesseis já falava e escrevia em inglês. Descobriu então as ciências naturais e com isso, conforme a mentalidade da época, abriu sua mente para as facilidades do mundo moderno. O choque cultural resultante forjou o homem que percebeu a estagnação que paira em seu país natal e resolveu então mudar este estado de coisas.

Após seis anos regressa para morar em Cantão como auxiliar no Hospital Inglês, depois vai a Hong Kong para estudar medicina e depois em Macau onde tenta em vão estabelecer-se. Como um chinês ocidentalizado regressa à China com a intenção de modernizar seu país. Tenta primeiro criar a “Sociedade da Educação” de onde pretende modernizar o ensino, mas sua proposta é rejeitada pelo governo.

Em 1895 Sun Yat-sen tem vinte e nove anos e decide-se pela ação. Com um punhado de oficiais, tenta apoderar-se do Palácio do Governador de Kuang-Tung. A tentativa é malograda de forma sangrenta. Quatro dos seus camaradas são aprisionados e fuzilados. Ele mal consegue fugir e vai buscar abrigo em Hong Kong e depois no Japão.

A partir deste fracasso muda sua estratégia e passa a buscar apoio no exterior junto aos ricos mercadores chineses de onde solicita fundos para a luta e de governos estrangeiros que busca aliciar para sua causa.
Em 1905, no Japão, cria a “União das Ligas Revolucionárias”. Quando ao fim do ano regressa à China, seu movimento conta com quarenta mil membros. Não é muito ainda, mas é uma força crescente catalizadora do contingente intelectual chinês descontente que busca um avanço. As massas populares ainda estão distantes de uma conscientização. 

Cixi - A Imperatriz Viúva

A Guerra Sino-Japonesa de 1894, a Revolta dos Boxers de 1900 e a Guerra Russo-Japonesa de 1904 iriam marcar o país para sempre. A capacidade de renovação do exército japonês e as derrotas infligidas aos chineses primeiro e depois aos russos demonstraram que uma nação do Oriente poderia modernizar-se e vencer qualquer guerra contra os europeus. E a sublevação dos Boxers, com suas sociedades secretas de lutas marciais, que atacaram os interesses europeus na China, instigados pela família real, e foram finalmente vencidos e humilhados pelos invasores,  leva à grande parte das classes esclarecidas a discussão da necessidade urgente da reforma do país, impedida pela dinastia Manchu que ainda mantinha entre os dedos o poder tradicional, apesar de ser controlada com mão de ferro pelos interesses estrangeiros vigentes.

A revolta Boxer foi consequência da volta da linha dura ao poder entre os monarquistas, após a eliminação do imperador Kuang-Siu, que tentou implantar algumas pequenas reformas no sistema feudal, através da conspiração urdida pela velha imperatriz viúva. Após a morte do imperador, uma violenta campanha contra a ocupação européia tem início, orquestrada veladamente pelo palácio. As sociedades secretas como por exemplo “Os Punhos da Justiça” iniciam uma campanha que redunda no mês de Junho numa explosão de cólera. Milhares de chineses invadem os redutos europeus de Pequim e atacam as missões católicas e legações estrangeiras. Isolados os europeus e com poucos recursos bélicos formam barricadas nas suas casas e palácios e sustentam um terrível cerco durante cinqüenta e cinco dias. Sua libertação,por um contingente internacional comandado por um Marechal alemão, Waldersee, que abalou o que restava do prestigio da dinastia governante.

Os estrangeiros cobraram caro os dias sangrentos. As represálias foram a imposição da pena de morte ou destituição de vários nobres da corte, considerados implicados nos incidentes e o pagamento de vultosas indenizações sobre os danos causados aos interesses estrangeiros. Para o homem da rua chinês o sentimento de humilhação e impotência já experimentados cinco anos antes com a derrota dos exércitos chineses pelas tropas japonesas só aumentava.

Esta vergonha e este descontentamento irão cristalizar-se em torno de um homem, Sun Yat-sem. Em 1907 estouram os primeiros motins em nome dos “Três Princípios do Povo” e da “Constituição dos Cinco Poderes”, que Sun Yat-sen enunciara nove anos antes, durante sua permanência nos Estados Unidos da América.

Os “Três Princípios do Povo” criados por Sun Yat-sen são: A união de todas as “raças” que vivem em território chinês, para que os povos manchu, mongol, tibetano, tártaro e chinês constituam uma única nação poderosa, seguindo o exemplo dos norte americanos, e possam corresponder sem diferenças às aspirações de todos para formar uma unidade política no território denominado China.

O segundo principio tem a influência direta dos enciclopedistas franceses e dos mentores da Revolução Francesa e refere-se ao ideal democrático, com direito de voto para todos, referendum, direito de iniciativa. Os direitos de uma democracia direta.

O terceiro princípio diz respeito a um reformismo moderado e certo socialismo a ser implantado com reforma agrária para os camponeses. Distribuição de terras de forma equitativa e de evitar que o capital concentre-se apenas nas mãos de uma minoria privilegiada. Seria também necessário valorizar e modernizar os métodos de plantio e incentivar os meios nacionais de comunicação.

No plano político a “Constituição dos Cinco Poderes” é baseada na noção capital de liberdade e ordem. Os cinco poderes são: o judiciário, o legislativo, o executivo, o poder de exame dos funcionários e o poder de repressão ou de censura. A administração do Estado estaria com o Presidente. O legislativo seria controlado por um parlamento, o poder judiciário estaria a cargo de juízes de carreira e os poderes de repressão e exame seriam exercidos por notáveis com experiência na condução dos assuntos sociais.

Os motins de 1907 são duramente reprimidos pelas tropas do governo. As prisões e execuções em praça pública multiplicam-se, o que faz aumentar ainda mais a revolta e o descontentamento geral. Entre 1907 e 1911 ocorrerão novos levantes, em Cantão, setenta e dois jovens revolucionários são executados. Quando ocorre então o atentado de Wu-Tchang, a 9 de Outubro de 1911 as condições para a criação da primeira República Chinesa estão já maduras.

Mas uma Assembléia Nacional, uma Constituição e mesmo uma nova bandeira ainda não são suficientes para mudar a mentalidade dos chineses, nem instaurar a democracia no coração do povo, alicerce necessário para fazer funcionar o processo político. As ameaças são imensas e os riscos de retrocesso numerosos em 1912.

O mais grave desses riscos é Yuan Che-Kai, que é um homem poderoso, ambicioso e inteligente. Ao favorecer o êxito da revolta ao obrigar Pequim a negociar passa a ser o fiel da balança do poder. A abdicação dos Manchu é um plano que favorece seus interesses. Para realizá-lo vai ludibriar ambos os lados. Para os Manchu garante que a abdicação terá caráter provisório. Vai favorecer os revolucionários cantoneses com o único interesse em apossar-se da revolução para depois neutralizá-la. Uma vez alcançado seu objetivo poderá estender sua autoridade a todo o país e depois restaurar o regime imperial, que sairá fortalecido dessa prova histórica.



Yuan Che-Kai

O fato de ser um homem brilhante, enérgico e demagogo o aproxima dos revolucionários. Sun Yat-sen, ao contrário, é um homem fechado e pouco inclinado a criar simpatias ou amizades políticas fora de sua esfera de interesse. Além disso, apesar de ser brilhante teórico, não possui as qualidades necessárias de liderança, o que permite que Yuan Che-Kai imponha-se rapidamente perante todos.

Com o apoio secreto das grandes potências seduzidas pela sua aparente força, Yuan Che-Kai muda para o lado republicano e a 7 de Outubro de 1913 é eleito Presidente da República com um mandato de cinco anos. Sun Yat-sen, vencido, fica com a chefia das estradas de ferro nacionais. O novo mandatário não tem a intenção de submeter-se a seja lá quem for. A idéia de uma dinastia para ele tem caráter pessoal. Espera transformar a nova república em seu império. E para atingir seu objetivo ele divide para governar. Em poucas semanas afasta os revolucionários do poder e consegue dividir o partido de Sun Yat-sen, a “União das Ligas Revolucionárias”, que divide-se por fim em três correntes partidárias enfraquecidas.

Perante esta nova situação, e temendo a instauração de uma ditadura vitalícia, Sun Yat-sen cria o Kuomintang, cujo diretor político é um tal de Chang Kai-chek, que não é do agrado do líder histórico. Em particular comenta Sun Yat-sen com a esposa: “É um chinês e um patriota, mas finório demais para o pequeno cérebro que tem por cima da nuca”

Chang Kai-shek Jovem

Seja como for Chang Kai-chek mostra ser extremamente ativo. Em pouco tempo organiza o novo partido e com seus próprios recursos empreende uma viagem pelo sul do país para estabelecer a oposição ao novo ditador. Sua atividade logo alcança os resultados esperados. No verão de 1913 as províncias de Kiang-Su, de Kuang-Tung, de Fukien, de Se-Chian, e de Kiang-Si, rebelam-se contra o novo governo.

Yuan Che-Kai, que transferiu o governo de Cantão para Pequim reúne suas forças organizadas e equipadas pelas potências ocidentais e parte para restabelecer seu poder naquelas províncias e esmagar os revoltosos que as dominam, agora sob a direção de Chang Kai-chek, que se mostra um estrategista militar respeitável. Ao final os revoltosos são vencidos, não sem antes infligir perdas razoáveis ao ditador de Pequim que obtém uma vitória de Pirro. O chefe revoltoso evita o desastre total e ao final sai prestigiado do combate.

A meia vitória de Yuan Che-Kai dá novo alento a Sun Yat-sen que junto aos seus correligionários se reúnem outras vez em Cantão e instalam um novo governo revolucionário. Yuan Che-kai prepara uma nova ofensiva, mas um acontecimento importante compromete seus projetos. Em Agosto de 1914 inicia-se a guerra na Europa.

As grandes potências européias envolvidas com seus próprios problemas nacionais retiram o apoio financeiro do ditador. Os fundos destinados aos cofres de Yuan passam a ter outro destino. O conflito europeu trará para a China conseqüências inesperadas. O Japão então aliado da França e da Inglaterra resolve intervir na China para assegurar a “manutenção de ordem”. Imediatamente as forças nipônicas desembarcam em solo chinês e apoderam-se dos interesses alemães. Esta primeira intervenção japonesa é seguida de uma diligência diplomática de Tóquio, que envia alguns dias depois um longo memorando de reivindicações que ficou conhecido sob o nome de “Vinte e Uma Exigências”. Aproveitando-se do fato que os europeus estavam mais preocupados com seus problemas o Japão resolve colocar seu antigo rival de joelhos.

As exorbitantes reivindicações depois de ter confiscados os territórios sob domínio alemão com ocupação militar obrigavam que a China entregasse suas principais fábricas de ferro e aço. A essas exigências de caráter econômico ocorrem outras de óbvia sujeição da soberania chinesa ao poder japonês. O governo de Pequim fica obrigado a aceitar e recorrer a conselheiros políticos, econômicos e militares japoneses e a colocar seus postos políticos nas principais capitais do país sob comando conjunto sino-japonês, o mesmo em todas as minas, estradas de ferro e arsenais.

Perante esta humilhante situação, e depois de ter pedido apoio norte americano sem sucesso, Yuan Che-Kai aceita as condições. Esta sujeição ao poder nipônico vai contribuir ainda mais a derrocada do ditador. Com o fim dos subsídios europeus, a chegada do novo ocupante e desacreditado junto ao seu povo que o acusa de entreguista contra seu inimigo milenar. O que os chineses aceitavam dos europeus não iriam aceitar dos japoneses por questões históricas hereditárias.

A ocasião é oportuna para os revoltosos. Chang Kai-chek inicia nova viagem pelas diferentes províncias do sul e obtém êxito em sua demanda. A maioria dos governadores adere ao movimento revolucionário e nos fins de 1915, Yuan Che-Kai admite não controlar mais a situação. Tomado pela ira sagra-se imperador a 15 de Dezembro desse mesmo ano. Mas esta medida é ineficaz do ponto de vista político. Seis meses mais tarde, a 6 de Junho morre misteriosamente e são várias as versões sobre sua morte. Com o vazio do poder o país mergulha nas lutas entre senhores da guerra mesmo com os esforços do Kuomintang  e de Sun Yat-sem para manter a unidade.

No entanto o país atingiu nova prosperidade. Devido a guerra na Europa os produtos chineses não tem concorrentes e sua indústria pode crescer. Entre 1913 e 1919 a produção de têxteis aumenta em oitenta porcento. Em 1919 a China começa a exportar hulha, recurso energético que antes era obrigada a importar do estrangeiro. Outras atividades econômicas são criadas e o processo de ocidentalização promove uma modificação radical do modo de vida chinês principalmente entre as novas gerações. É abolido o tradicional calendário lunar em troca do calendário solar adotado na Europa. As mulheres não mais hesitam em passear pelas ruas das cidades e as antigas práticas deformantes de enfaixamento dos pés são proibidas por lei desde 1903.

Estudantes Chineses

As vestimentas ocidentais tomam as ruas, sapatos de couro, chapéus de feltro, os trajes e relógios de pulso ou bolso começam a serem usados. O petróleo passa a ser mais utilizado pela população citadina. Candeeiros a querosene importados dos Estados Unidos são comprados aos milhares fazendo a fortuna dos importadores. No plano educacional a reforma é mais espetacular. As escolas de missionários e as Universidades dirigidas por ocidentais tornam-se procuradas e um aumento de locais de ensino ocorre por todo o país e até mesmo no interior. A instrução é gratuita. As escolas técnicas, as Universidades de Direito, a Física, a Química, a Álgebra, a Geometrias e as línguas estrangeiras são ensinadas. Os escritores europeus humanistas são difundidos entre os intelectuais nas bibliotecas que são criadas em todo o país. Em 1915 o grande escritor Huang Yuan-yung propõe e lança as primeiras bases de uma escrita chinesa simplificada para substituir o lugar da escrita clássica.

Estas reformas têm profunda repercussão entre os estudantes e as novas gerações. Estes estão agrupados em sociedades de estudo e sindicatos de classe onde debatem em conjunto os problemas do país. Organizam-se e fazem greves e manifestações, muitas vezes contra os poderes vigentes. Em pouco tempo tornam-se numa força viva da nova China. Entre outras manifestações estabelecem o costume de comemorar, todos os anos, como burla, a aceitação das “Vinte Uma Exigências” japonesas por Yuan Che-Kai, o que consideram o cúmulo da humilhação nacional.

China 1919

              

sábado, 19 de março de 2016

Mao Dse Dung – O homem e sua obra





Capitulo I – A Vitória da Derrota

A Revolução Comunista chinesa foi um dos acontecimentos históricos mais marcantes do século XX.  Seu principal líder, Mao foi demonizado em todo o Ocidente não por suas falhas e erros cometidos na condução do cruento processo revolucionário chinês, mas pelos seus vários acertos em tirar uma China que vivia os estertores de um sistema feudal decadente, explorada pelas potências ocidentais e nação sem amor próprio governada por corruptos, dependente da influência de seus invasores, transformada pelo comunismo em grande potência nuclear já no final do século XX, com taxas de crescimento invejáveis em relação ao decadente Ocidente, e apresentando crescimento incontestável da qualidade de vida de seu povo novamente orgulhoso de sua nação, país onde vive atualmente um terço da população global.

Como tudo o que ocorre na China, a história de sua revolução comunista ocupou várias décadas do século passado, e atingiu seu apogeu a partir de um crescimento lento e constante tendo como um dos principais estrategistas e protagonistas o grande líder chinês.

Nossa história inicia-se em um cantão do interior da China em 9 de Agosto de 1927. O jovem Mao, antigo ajudante de bibliotecário que possuía curso de professor primário, está em sua cidade, Chang-Chá, onde canaliza e prepara a revolta dos camponeses que lidera.

Ele busca maiores informações sobre os recentes acontecimentos de Xangai que  chegam através de viajantes, rumores a respeito da caçada aos comunistas realizada pelo General Chang Kai-chek, principal líder do Kuomintang, o partido nacionalista chinês, na época servo dos interesses internacionais e mergulhado inteiramente na corrupção de seus integrantes. O Hu-Nan está calmo, e na prática sob controle comunista. Mao dedica-se de corpo e alma a sua missão de divulgador e organizador das comunas de camponeses. Sua confiança é tão grande que jamais menciona nem discute no jornal local os graves acontecimentos do Norte entre tropas nacionalistas e comunistas.

Os dias passam lentamente junto com as estações do ano, e Mao, então com 34 anos, mantém sua vida interiorana sem que nada a perturbasse. 

Nesta manhã do dia nove de Agosto bem cedo o jovem professor resolve perambular pelos subúrbios da cidade. Trabalhou muito nestes últimos dias e decide levar a esposa grávida para passar o dia na casa de uns primos, que vivem em um lugarejo a poucos quilômetros de distância. O casal sossegado e feliz tem um dia agradável. Ao anoitecer o casal despede-se dos parentes e seguem em direção a Chang-Chá. Antes de entrarem pelo antigo portão de ferro da cidade resolvem dar ainda uma volta para falar com um companheiro. Mas ele não está só. Um dos dirigentes da célula comunista da cidade, um discípulo de Mao, encontra-se no local. Desanimado o rapaz conta para o mestre e seu superior que pouco depois da saída do dirigente Mao, de madrugada, sete mil soldados do Kuomintang, escolhidos pelo próprio Chang Kai-chek, sitiaram a cidade e conseguiram infiltrar muitos outros disfarçados de civis.

O homem relata que após desarmarem as milícias comunistas prenderam seus principais lideres. O semblante do jovem fica carregado ao descrever a chacina que se seguiu. Execuções sumárias nas ruas, homens decapitados perante os familiares, mulheres violadas diante do filhos, transeuntes inocentes mortos a machadadas, velhos estrangulados, casas incendiadas.

Mao a principio não quer acreditar no relato. E decide ir ver por conta própria o que acontece. Acompanhado pela esposa esgueira-se pelas vielas estreitas, interroga quem encontra pelo caminho e acaba reconhecendo que a situação ainda é pior do que foi relatado pelo companheiro. Passa a noite em busca de outros amigos para preparar a resistência ou forjar algum plano que os possa salvar.

Ao romper da aurora Mao e a esposa são presos. Separados um do outro. Ele é levado diante de um pelotão de execução. E no momento fatal que o oficial vai dar ordem de fogo, um dos soldados, natural de Chang-Chá reconhece Mao. Como presa importante ele é espancado e trancafiado numa prisão provisória.

Como todo homem que perde a liberdade Mao procura fugir da morte certa na mão dos seus algozes. Examina sua prisão cuidadosamente até encontrar uma tábua em falso, que consegue rebentar. Durante a noite consegue escapar. Quando nasce o dia, disfarçado entre a multidão vê passar um cortejo de prisioneiros dos nacionalistas em direção a um campo em que postes fincados aguardam o martírio dos companheiros. Para pouparem munições os prisioneiros não são fuzilados, mas estrangulados a garrote. Entre os executados Mao reconhece Yang Kai-hui, sua esposa.

Nessa noite uma sombra deslizou furtivamente por um campo. Ao sair de Chang-Chá vai despedir-se da companheira morta. A partir deste momento ele está só, seus companheiros foram mortos, sua amada, seu partido foi aniquilado por ora. Aproveitando a escuridão foge para as montanhas, na fronteira do Hu-Nan com o Kiang-Si. No caminho escreve um doloroso verso:

“Cortei as mãos na corda do garrote /mas não saiu uma só gota de sangue/Em vez de sangue vi a piedade escorrendo de mim”

Em custosa jornada Mao consegue furar as linhas inimigas que cercam as montanhas e reagrupa alguns correligionários retomando a luta contra a opressão do Kuomintang.